
Fruto típico da Amazônia, o açaí ganhou o mundo com sua polpa, usada em cremes, sucos, sorvetes e outras preparações. O processamento da polpa, que representa 15% do fruto, gera um problema ambiental nas regiões produtoras, pela falta de locais adequados para o descarte dos caroços. Em busca de uma solução para reaproveitar esses resíduos, produtores e pesquisadores desenvolveram o ‘café de açaí’, uma bebida quente e amarga, feita com o caroço de açaí seco, torrado e moído. A inovação começa a se expandir no Brasil e no exterior.
Em Macapá, o casal Valda Gonçalves e Lázaro Gonçalves, sócios da Engenho Café de Açaí, começou a trabalhar com a despolpa e venda da polpa de açaí congelado em 2011. A dupla sempre se incomodou com a quantidade de resíduo gerada e descartada.
“Para cada cinco litros de açaí, você tira um litro de polpa. O resto é resíduo, que fica nas calçadas das agroindústrias, e uma vez por semana, os produtores pagam alguém para recolher e dar um filme, que geralmente é a queima”, conta Gonçalves. O produtor diz que, só em Macapá, são descartados em média 25 toneladas de caroços de açaí por dia.
De acordo com dados da pesquisa de Produção Agrícola Municipal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a coleta de açaí no país alcançou 238,9 mil toneladas em 2023. As áreas com açaizeiros ocupam 9,66 milhões de hectares.
Formado em administração de empresas, com especialização em gestão da inovação, o empreendedor começou a pesquisar e descobriu que o caroço de açaí concentra mais nutrientes que a polpa. E começou a avaliar opções de uso do caroço com Valda.
“Já tinha alguns usos do caroço, para carvão, fertilizante, mas nada relacionado à alimentação. Em 2020, quando veio a pandemia e a gente fechou a loja de roupa que tinha em paralelo, a gente resolveu fazer uma bebida aromática funcional”, afirma Gonçalves. A bebida foi desenvolvida com muitos testes de sabor, avaliando diferentes níveis de moagem e torra.

O casal teve o apoio de pesquisadores da Universidade Federal do Amapá para desenvolver um equipamento apropriado para fazer a torra e moagem do açaí. Valda e Lázaro não têm produção própria de açaí, mas mantêm parceria com cooperativas para recolher os caroços, que são descartados para produzir a bebida. O nome café de açaí é uma licença poética, já que a bebida não tem cafeína.
Segundo pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a bebida é rica em inulina, uma fibra de ação prebiótica, antioxidantes e taninos, itens que ajudam a evitar picos de glicemia e controlar o colesterol. A bebida, considerada funcional, também é rica em vitaminas A, D, E e K.
Desafios
Com vendas no Amapá, Pará e São Paulo, a Engenho do Café de Açaí fez a primeira exportação em 2023, uma carga de 500 quilos, para a Alemanha. Em 2024, assinou o primeiro contrato de exportação de 2,5 toneladas da bebida para a Tupan Beverages, dos Estados Unidos.
Agora, a empresa tem um novo desafio: Gonçalves negocia com um cliente dos Emirados Árabes um contrato para venda de 40 toneladas de café de açaí por mês. “Nossa capacidade hoje é de 10 toneladas por mês. Estamos tentando negociar uma primeira entrega e um prazo maior para entregar o volume total, enquanto contratamos mais pessoas”, diz Gonçalves.
A Engenho Café de Açaí emprega atualmente nove pessoas. A startup fatura por ano R$ 700 mil e tem previsão de chegar a R$ 1,5 milhão até 2027, sem incluir esse contrato.
A empresa recebeu um impulso do Programa Centelha, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e a Fundação CERTI.
“Com esse suporte, foi possível validar o produto, fazer testes laboratoriais, o registro e criar novas linhas, como cápsulas e blends”, diz Gonçalves.

O Programa Centelha incentiva a transformação de ideias inovadoras em negócios. Nas duas primeiras edições, o programa apoiou 1,6 mil startups em todo o país em todos os setores da economia.
Daniel Almeida Filho, secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI, diz que o programa conta com R$ 155 milhões para apoiar startups em 2025. O recurso é distribuído nos Estados por meio das Fundações de Amparo à Pesquisa e por bolsas do CNPq.
“A ideia é que, por exemplo, um doutorando ou um mestrando que tem uma ideia importante possa transformá-la em negócio no curto prazo”, diz Almeida. A expectativa para este ano é apoiar mais de 1,5 mil projetos de startups. Os editais para submissão de projetos serão lançados pelas Fundações de Amparo à Pesquisa em setembro.
Casal aposta no açaí
Em Nova Conquista (SE), o casal Rívia e Alex Ferreira cultiva no Sítio Recanto da Gigi 1,5 mil açaizeiros, em consórcio com cuçuaçueiros e outras árvores frutíferas trazidas do Pará, como bacuri, murici, pupunha e castanha do Pará. Rívia é de Brasília e Alex nasceu no Pará. O casal se conheceu em Brasília, mas decidiu levar uma vida mais tranquila em Sergipe, em 2013.
“Compramos o sítio sem pretensões, para ser uma produção de subsistência. Mas uma parte do terreno fica alagada e Alex achou que ia dar certo plantar açaí. A gente foi atrás da Embrapa e olhou outras variedades também. Já estamos na quarta safra”, diz Rívia.
No sítio, o casal produzia polpas e começou a usar os caroços para fazer adubo, mas o volume de grãos era muito grande, segundo Rívia. “Pesquisando, a gente viu que no Amapá tinha gente fazendo café de açaí. Decidimos testar. Foram dois anos testando. No começo, o gosto era horrível, parecia Novalgina (dipirona). Fomos testando até chegar numa bebida prazerosa de tomar”, diz a empreendedora. A produção hoje é de 100 quilos por mês de café de açaí, mas a expectativa é aumentar para 3,2 mil quilos por mês, com a chegada de um novo maquinário.
Outras bebidas
Além do “café de açaí”, as agroindústrias do Norte do país desenvolvem outras bebidas com o fruto. Em Macapá, Francisco Soares da Silva fundou em 2022 a foodtech Café de Açaí Faustina, que produz 200 quilos por mês de café de açaí. No início do mês, o empreendedor lançou um cappuccino gelado de açaí. A bebida vai ser vendida pronta para beber, em garrafas de 300 mililitros.
“Fizemos o lançamento na Expoflora, tivemos a oportunidade de servir para mais de 4 mil pessoas na feira e a aceitação foi muito grande”, diz Soares. O empreendedor negocia com a prefeitura de Porto Grande (AP) a produção da bebida para consumo na merenda das escolas municipais.
Em Castanhal, no Pará, a Guamá Polpas atua no mercado há oito anos com produção de polpas de açaí, acerola, cupuaçu e maracujá. Desde 2022, produz três versões de café de açaí, um feito 100% com açaí, um blend de açaí com 15% de café e uma versão de açaí com 15% de cacau.
“A reutilização do caroço de açaí contribui para a redução de resíduos e gera novos produtos com valor agregado, respeitando o ciclo natural do fruto e valorizando o potencial da floresta”, observa Adilson Angelim, CEO da Guamá Polpas.
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